CASA EM PARATY
Caminha-se por dias em direção ao norte. No percurso, o viajante contempla belezas naturais, grandes montanhas e uma mata exuberante, repleta de folhas de generosa dimensão. O viajante atento sabe pela experiência dos pés calejados que esta exuberância, estes infinitos verdes salpicados de frondosas flores coloridas traçam uma coordenada específica no globo.
No entanto, o que há de específico na natureza há de genérico nas construções que se manifestam pelo caminho. A cada tanto empilhamentos de tijolos pesam sobre a terra e nada dizem, alguns empilhamentos servem como casas, outros como lojas ou até mesmo como templos religiosos. Utilizam-se de signos de outras histórias para justificar sua existência, a cruz designa uma igreja, propagandas de bebidas um bar e assim por diante. O que tira o fôlego do viajante é a própria natureza, o balançar das árvores, a chuva de folhas no outono, o nascer elíptico de uma nova folha da bananeira num verde fresco cheio de viço. O resto é apenas o peso das coisas sobre o mundo, um arrastar da existência humana que existe sem intenção.
Depois de dias de caminhada o viajante, levado pela força da curiosidade, pela obstinação de encontrar algo antes nunca visto por ele, é compelido a entrar em uma pequena estrada através de uma porta semiaberta, sem saber onde irá parar. Segue caminhando seguindo rastros que para ele pareciam claros. O primeiro, indubiamente, era o belo encaixe das pedras debaixo de seus pés, que com o tempo já se confundiam com os arredores, pois abrigam milhares de pequenos fungos, liquens e musgos que nelas repousam, um tapete negro e verde que ele até então não havia contemplado.
HOUSE IN PARATY
Walking northwards for days. Along the way, the traveller contemplates the beauty of nature, the tall mountains and the lush forests full of leaves with generous dimensions. The observant traveller’s calloused feet tell him that this exuberance, these infinite shades of green dotted with colourful leafy flowers, mark specific coordinates on the earth.
However, this specificity in nature contrasts with the generic buildings along the road. Every now and then, stacks of bricks weigh down on the earth and say nothing. Some serve as houses, others as shops and temples. Signs from other stories are used to justify their existence. A cross designates a church, an advertisement for drinks designates a bar, and so on. What takes the traveller's breath away is nature itself, the swaying trees, the rain on autumn leaves, the elliptical birth of a new banana leaf amidst fresh, vital greenery. The rest is just the weight of things in the world, dragged along by humanity's unintentional existence.
After days of walking, the traveller, driven by the force of curiosity, an obstinate search for something he has never seen, feels compelled to take a small pathway through a half-open gate, not knowing where it will lead. He keeps walking, following tracks that seem clear to him. The first one undoubtedly consists of the beautifully fitted stones beneath his feet, blended by the passage of time into the surrounding land, home to thousands of tiny mushrooms, lichens and moss, a black and green carpet he has never seen before.
O segundo rastro era certamente o barulho da água, que ficava cada vez mais evidente junto ao cantarolar coletivo dos pássaros. Ao passo que caminhava, o barulho sutil ecoa em seus ouvidos e agora em seu peito, como se a sonoridade também estivesse interiorizada. Por debaixo dos seus pés a água passava. Não se molhava pois estava sobre uma estrutura de madeira suportada por esse caminhar rochoso. Do lado esquerdo se vê uma enorme roda de água, um adereço antes funcional de uma outra existência. Ele decide seguir em frente. Sente seus pés conectados às pedras, por mais lisas que elas sejam em meio a humidade existente. Não hesita, continua sua caminhada em meio a mata, contempla as pedras, as helicônias, os troncos arranjados na lateral da estrada, as bananeiras que aos montes dão frutos, como se quisessem tomar conta de um imenso território. Obstinado na estrada, reflete: “quem será que a construiu? Porque a fez? Onde ela me levará?”
De súbito, após uma pequena descida, encontra uma enorme clareira. Abaixo dela água: será um lago ou é o mar? Uma imóvel água espelha a natureza circundante e o céu. Um mundo às avessas, uma suspensão do próprio mundo. Que confusa visão que desestabiliza a força gravitacional e suspende o mundo nele mesmo. Cima e baixo só são possíveis pelo próprio entendimento do corpo do viajante, e não pelo que vê.
Com um olhar mais atento é possível se fixar em um ponta no horizonte. Entre céu e sua imagem inversa há um tênue linha que delimita o que é um e o que é o outro.Estranhamente tudo parece flutuar: será que é a imagem refletida que suspendeu o peso de seu corpo ou a própria viscosidade da água que gentilmente o carrega para uma ponta no horizonte? Hipnotizado pela imagem duplicada, o viajante se encontra em meio às águas, quase que por uma transe.
Quanto mais se aproxima da ponta antes avistada, mais entende a imensidão das águas e a onipresença da natureza. Quando chega na outra ponta uma areia macia o recebe, uma pequena praia o dá as boas vindas. Lá sente novamente o peso de seu corpo que pela força implacável da gravidade e deixa suas marcas na fina areia, um rastro.
The second track is certainly the roar of water which grows in clarity, accompanied by the collective hum of birds. As he walks, the subtle sounds echoe in his ears, then in his chest, as if they were inside him as well. Water flows beneath his feet, but he does not get wet because he is on a wooden structure raised up by this rocky pathway. To his left, a great water wheel, an accessory from a former functional existence. He decides to go straight ahead. He feels his feet connected to the stones, despite their softness in the midst of the moisture. Resolute, he continues his journey through the forest, contemplating stones, heliconias, trunks laid down alongside the path, banana trees bearing fruit on the hillsides, as if he wanted to acquire a vast territory. Keeping obstinately to the track, he wonders, "Who built all this? Why did they do it? Where will it lead me?"
Suddenly, after a short descent, he comes across an enormous clearing. Below, water: a lake or the sea? A sheet of still water reflects the surrounding nature and the sky. A world upside down, his world in suspension. Such a confusing vision, which destabilizes the force of gravity and suspends the world in its own self. Up and down are only possible through the traveller's comprehension of his body, not through what he sees.
Looking more closely, he can locate himself at a point on the horizon. Between the sky and its inverted image there is a faint line that separates one from the other. Strangely, everything seems to be floating. Is it the reflected image that suspends the weight of his body or the viscosity of the water that carries him gently to a point on the horizon? Hypnotised by the duplicated image, almost in a trance, the traveller finds himself in the midst of the water.
The closer he gets to the point he saw before, the greater his understanding of the immensity of the water and the omnipresence of nature. When he reaches the other side, he is received by soft sand, a small, welcoming beach. He once again feels the weight of his body which, with the implacable force of gravity, leaves its mark, a trace, on the fine sand.
Nesta ponta de mundo algo particular o chama atenção. Um abrigo natural, troncos entre pedras, a distância, confuso não entende se aquilo é uma preexistência ou se foi meticulosamente engendrada para disfarçar o peso do mundo. Ao lado dela uma enorme pedra confunde ainda mais esta inusitada situação. Lá dentro é possível se refrescar do impetuoso calor tropical, enquanto deixa seu corpo se acalmar contempla a vista e o som da natureza. Contempla o céu, os pássaros, o dançar sincronizado das folhas. Imagina dali o fundo do mar, as estrelas que lá existem e, aparentemente imóveis, na verdade caminham sorrateiramente pelas profundezas do oceano distribuindo suas cores vibrantes para os peixes atentos.
Com o acalmar dos olhos o viajante avista novamente outro caminho de pedras, similar a aquele percorrido por ele anteriormente, mas agora de escala reduzida e incrustado na montanha. Reflete sobre o engendramento das pedras, há diferença entre elas, o que elas me contam além se seu próprio peso?
O viajante inquieto continua seu caminhar e reflete sobre essa a recente histórias das pedras e o caminho que elas o possibilitaram percorrer. No entanto, agora o caminho o leva em direção oposta. A cada passo o viajante se encontra mais distante verticalmente do mar, e mais longe seu olhar avista. Por entre palmeiras mira o horizonte, como se o mundo não acabasse mais, contempla a tímida curvatura da terra e os distintos azuis do céu.
Após pausas constantes para contemplar a vista o viajante continua seu caminhar, agora curvo em direção ao centro da montanha. Quanto mais fechada a curva mais rápido é seu caminhar, como que pela geometria do caminho pegasse velocidade em direção onde deveria chegar. Quando menos espera, uma nova clareira se apresenta no olhar guiado ao céu pela declividade do terreno. Na rés do chão pedras eclodem em direção ao céu e com formas variadas suportam uma estrutura por ele nunca antes vista. Uma estrutura suspensa que por sua ligeireza tenta voar, mas é impedida por estar conectada às pedras que lá existem. Cogita ser uma árvore mas, assim como o engendramento a pouco visto, entende que aquele objeto não é do acaso e sim de uma força premeditada. Analisa cuidadosamente os detalhes daquela instalação precisa, as vistas que ela permite e sua delicadeza em não tocar o solo, tudo se suspende pelas rochas, observa. Uma suspensão gravitacional em plena floresta. E por fim cogita, será que as pedras são o peso do mundo que suportam nossa leveza?
Something special catches his eye in this small corner of the world. A natural shelter, tree trunks amidst rocks. From a distance, confused, he cannot understand if it is a pre- existence or something meticulously devised to camouflage the weight of the world. Alongside, a huge rock further confounds this strange situation. Inside, he can cool down from the pounding tropical heat while letting his body calm down and take in the sights and sounds of nature. Watch the sky, the birds, the synchronized dancing leaves. From here, he can imagine the seabed and starfish on it which seem immobile but are actually moving stealthily through the depths of the water, spreading their vibrant colours amidst the attentive fish.
His eyes now rested, the traveller notices another stone path like the one he trod before, this time on a small scale, encrusted in the hillside. He thinks about the layout of the stones. There are differences between them. “What are they telling me, besides their own weight?”
The restless traveller continues his journey and reflects on the recent history of these stones and the path they have helped him to follow. Now the path leads him in the opposite direction. At every step, he finds himself at a greater vertical distance from the sea and able to see further. He peers out between palm trees at the horizon, as if the world were endless. He can make out the faint curvature of the earth and different shades of blue in the sky.
After multiple halts to admire the view, the traveller resumes his journey, now following a curve towards the centre of the mountain. The tighter the curve, the faster his pace, as if the geometry of the path were making him accelerate in the direction he is meant to go. When he least expects it, guided by a glimpse of the sky above the slope, a clearing appears. On the ground, differently shaped rocks hatch skywards and hold up a structure he has never seen before: a lightweight structure in suspension, straining to fly but held back, tied to the rocks in the clear- ing. He toys with the idea that it might be a tree, but he realises that this object, like the shelter he saw beforehand, is not an accident but the fruit of a premeditated force. He carefully studies the details of this precise installation, the views it affords, its delicacy, detached from the ground, and notices that every- thing is hanging from the rocks. A gravitational suspension in the heart of the forest. Finally, he asks himself, “Could those rocks be the weight of the world, supporting our lightness?”
2020 -
Paraty, Rio de Janeiro, Brazil
Team
Gustavo Utrabo, Augusto Longarine, Bárbara Francelin, Fernanda Britto, Julia Park, Luiz Felipe Sakata
Photos
Gustavo Utrabo
Structural Design
Ita Construtora
2020 -
Paraty, Rio de Janeiro, Brasil
Equipe
Gustavo Utrabo, Augusto Longarine, Bárbara Francelin, Fernanda Britto, Julia Park, Luiz Felipe Sakata
Fotos
Gustavo Utrabo
Estrutura
Ita Construtora