COBERTURAS NO XINGU

A história recente dos povos e paisagens indígenas do Brasil têm sido marcada pela violência. Quando os primeiros colonos europeus chegaram em 1500, o que hoje é o Brasil era habitado por cerca de 11 milhões de indígenas, em cerca de 2.000 comunidades. Após o primeiro século da invasão, 90% dessa população havia sido dizimada, principalmente por doenças como gripe, sarampo e varíola trazidas pelos colonizadores. Nos séculos seguintes, milhares morreram na escravidão. Hoje, as culturas indígenas do Brasil continuam sua luta diária para se manterem vivas e preservarem seus territórios diante das atuais circunstâncias políticas e econômicas.

Na tentativa de amenizar as situações emergências de algumas comunidades indígenas brasileiras o Instituto Sócio Ambiental (ISA) realiza um importante trabalho propositivo de soluções integradas para questões sociais, ambientais e do patrimônio cultural brasileiro. E é por meio destas atividades que fomos chamados para propor uma solução de baixo custo, replicável e de execução local para espaços flexíveis no Parque Indígena do Xingu.

O principal objetivo do projeto é colaborar na preservação da cultura indígena local e abrigar atividades complementares nas aldeias. O primeiro dos três locais onde o projeto foi implantado fica na nova Aldeia Kisêdjê. O deslocamento da tribo e a recente construção desta nova aldeia, que se encontra na zona central do Parque Indígena do Xingu, foi fundamental para proteger a saúde de seus moradores que fogem das doenças e dos efeitos nocivos dos agrotóxicos pulverizados indiscriminadamente ao redor das plantações de soja.

A nova aldeia é composta por um conjunto de ocas, dispostas em torno de uma generosa praça comunitária circular. A oca, com pequenas variações escalares, é o único tipo de edificação existente na aldeia. Tem uma forma interessante, com simetria externa e apenas duas aberturas. Os interiores têm uma atmosfera densa, sem divisórias. Sua distribuição funcional é feita por um gradiente de luz e sombra: em uma oca, quanto mais profunda a sombra, mais privado o espaço, e vice-versa.

CANOPIES FOR XINGU INDIGENOUS PARK

The recent history of Brazil’s indigenous peoples has been marked by brutality, slavery, violence, disease and genocide. When the first European settlers arrived in 1500, what is now Brazil was inhabited by an estimated 11 million indigenous people in roughly 2,000 tribes. After the first century of contact, 90% of that population had been wiped out, mainly by diseases such as flu, measles and smallpox brought by the colonizers. In the following centuries, thousands more died in slavery. Brazil’s indigenous cultures continue their daily struggle to stay alive and preserve their territories under to the current political and economic circumstances.

As part of its attempt to alleviate the emergency conditions in some of the indigenous communities, the Instituto Socio Ambiental (ISA) is doing important work on integrated solutions for Brazil’s social, environmental and cultural heritage problems. As part of these activities, we were invited to present a low-cost, replicable and locally-executed proposal for flexible spaces in the Xingu Indigenous Park.

The main aim of the project is to collaborate in the preservation of the local indigenous culture and to house the complementary activities in the villages. The first of the three sites where the project was implemented is in the new Kisêdjê Village. The displacement of the tribe and the recent construction of this new village, which sits in a central zone of the Xingu Indigenous Park, was essential to protect the health of its residents who are fleeing from diseases and the harmful effects of pesticides sprayed indiscriminately on the surrounding soy plantations.

The new village is composed of a group of ocas —traditional indigenous homes made mainly of timber and straw— set around a generous circular community square. The oca, with minor scalar variations, is the only type of building in the village. It has an interesting form, with externally symmetry and just two openings. The interiors have a dense atmosphere, without partitions. Their functional distribution is via a gradient of light and shadow: in an oca, the deeper the shadow, the more private the space, and vice versa.

Em resposta ao contexto local deste projeto, nossa intenção não é replicar a cultura local, mas incentivar o diálogo através da diferenciação. Configura-se como um novo elemento na paisagem que, por meio de sua construção singular, expõe de forma enfática a riqueza da cultura indígena local, envolvendo-se com a forma das edificações pré-existentes através da escala. Um sistema flexível usando madeira de fabricação local foi usado para construir esses espaços. Os oito componentes são combinados em um arranjo estrutural simples e, tendo em vista a mobilidade dos povos indígenas, montados com parafusos e hastes roscadas para permitir que sejam desmontados no futuro.

As paredes, divisórias internas e usos do novo edifício são definidos pelos desejos de cada aldeia. A simplicidade do projeto não se deve apenas a considerações orçamentárias, mas também à falta de contato com o local durante o processo de construção. Modelos explicativos e desenhos sobre o processo de construção foram enviados para a aldeia, de forma a facilitar o processo de execução. O principal objetivo das coberturas é demarcar um espaço sombreado, proporcionar uma situação funcional e atmosférica que complemente as já existentes em cada aldeia e gerar uma atmosfera que possa ajudar a fortalecer a cultura local.

In response to the local context of this project, our intention is not to replicate the local culture but to encourage dialogue through differentiation. It is configured as a new element in the landscape which, through its unique construction, emphatically displays the richness of the local indigenous culture, engaging with the shape of the pre-existing buildings through scale. A flexible system using locally-manufactured timber was used to build these spaces. The eight components are combined in a simple structural arrangement and, bearing in mind the mobility of the indigenous peoples, assembled with bolts and threaded rods to allow them to be dismantled in the future.

The walls, internal partitions and uses of the new building are defined by the wishes of each village. The simplicity of the project was not only due to budgetary considerations but also to the lack of contact with the site during the construction process. Explanatory models and drawings about the construction process were sent to the village to facilitate the canopy execution process. The main purpose of these canopies is to demarcate a shaded space, provide a functional, atmospheric situation which complements those already existing in each village, and generate an atmosphere that can help to strengthen the local culture.

2017
Xingu Indigenous Park, Mato Grosso
Brazil

Built Area
368.25m2

Team
Gustavo Utrabo, Beatriz Rocha

Photos
Pedro Kok and Gustavo Utrabo

Client
ISA - Instituto Socio Ambiental

Structural Project
Ita Construtora

2017
Parque Indígena do Xingu, Mato Grosso
Brasil

Área construída
368,25m2

Equipe
Gustavo Utrabo, Beatriz Rocha

Fotos
Pedro Kok e Gustavo Utrabo

Cliente
ISA - Instituto Socio Ambiental

Projeto Estrutural
Ita Construtora